REVIEW - O ANO PASSADO EM MARIENBAD
A câmera desliza com uma suavidade flutuante. As personagens são dispostas como num palco teatral onde é evidente a sincronia dos movimentos, gestos e falas. O figurino é rico, o cenário é luxuoso e opulento: as dependências de um castelo medieval transformado em hotel de férias para a alta sociedade. Alain Robbe-Grillet, o roteirista, dá impulso á três personagens centrais (o restante do elenco, a maioria figurantes sem vozes, apenas compõe a ambientação): a Mulher, o Estranho e o seu Marido. O Estranho lhe é dado o poder de ser o narrador/apresentador do filme e o 'construtor' do roteiro a partir do momento que nos ambienta e por vezes 'dirige' as atuações do restante do elenco. Sob esta forma de contar a história, percebemos que as atitudes dos protagonistas possuem uma aura de ambigüidade inquietante onde a princípio é difícil entender os excentricismos que vão inundando a tela. O Estranho persegue a Mulher tentando convencê-la do suposto pacto amoroso que eles fizeram o ano passado neste mesmo castelo de férias. Mostrando-se perturbada pelo assédio constante daquele estranho e negando conhecê-lo de qualquer lugar que fosse, ela ainda preucupa-se que seu marido perceba a insistência latente do desconhecido "louco". Sempre prestes a ceder à sedução a Mulher retruca às tentativas de sucumbir ás palavras de paixão do estranho. O edílico universo pararelo em que as duas figuras principais parecem planar favorece uma infinidade de interpretações para definir o que se parecer ser: um delírio, um pensamento, um desejo ou até mesmo uma realidade fantasiada cheia de déjà vours. O Ano Passado em Marienbad é um dos vários resultados que se originaram quando o movimento conhecido como Nouvelle Vague sacudiu o cinema françês no início dos anos sessenta. Encabeçada por cineatas do calibre de Truffaut e Goddard entre vários outros incluindo o próprio Alain Resnais, esta corrente artística era, também, defendida pelo lendário crítico e fundador da revista Cahiers du Cinema André Bazin. Segundo a ideologia deste novo pensamento revolucionário, a obra cinematográfica é uma expressão individual de seu criador e esta é a única preucupação que se deve ter em sua realização. O Ano Passado em Marienbad resume bem a idéia do manifesto françês devido a forma artística de sua concepção baseada não na preocupação com uma aceitação comercial, mas apenas com a forma autêntica elaborada por seu criador. Ele acaba sendo exatamente assim, um conto de natureza pessoal, mas com uma sensibilidade e inteligência de grande amplitude. O olhar apreciador terá que administrar as diversas impressões para tentar se achar e dar um significado ao que parece ser confuso e atordoante. Este é um dos efeitos que o filme exerce sobre o expectador: idéias distintas, despertando interesses variados. O propósito motivador de Resnais, foi a realização de um longa não apenas com roteiro seu, mas também com a liberdade de expressar suas idéias de forma ininterrupta e distante das amarras e convenções estabelecidas no cinema convencional. O Ano Passado Em Marienbad é um filme especial porém muito fácil de frustrar o expectador comum que não esteja acostumado com um roteiro tão cheio de motivações psicológicas, pausas comtemplativas, estaticismos e metáforas. Ele tem seu ritmo próprio que adequa-se à dimensão de sua narrativa translúcida. Assim como um sonho de muito bom gosto, O Ano Passado em Marienbad está dominado por uma relatividade soberana e rica em hipóteses. O desenrolar de toda a trama está unicamente a mercê dos devaneios dados pelo Estranho a um mundo poeticamente irreal e que lhe pertence. Puro cinema de arte na demonstração da inevitável erupção do desejo.
Notas:
Recebeu uma indicação ao Oscar de Melhor Roteiro Original.
Recebeu uma indicação ao BAFTA de Melhor Filme.
Ganhou o Leão de Ouro, no Festival de Veneza.
Título Original: L'Année Dernière à Marienbad.
Gênero: Romance.
Ano: 1961.
País de Produção: França.
Duração: 94 min.
Língua: Françês.
Cor: Preto e Branco.
Diretor: Alain Resnais.
Elenco: Delphine Seyrig, Giorgio Albertazzi, Sacha Pitoëff.
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